Banco de dados compartilhado entre instituições financeiras é usado com a justificativa de baratear o crédito aos bons pagadores, por meio de uma pontuação
Santa Cruz do Sul – Em vigor desde o último dia 11 de janeiro, o Cadastro Positivo armazena e analisa os dados de 120 milhões de consumidores, entre pessoas físicas e jurídicas. Criado para avaliar o comportamento financeiro do consumidor, e por conta disso, ofertar crédito e condições de financiamento mais baratas a quem soma melhor nota, o serviço pode ser desativado por vontade do próprio consumidor.
Segundo a advogada Angeline Kremer Grando, do BVK Advogados, a inclusão dos dados pessoais do consumidor no Cadastro Positivo foi realizada de forma automática. “Porém, o consumidor deverá ser notificado da abertura de seu cadastro. Caso não haja interesse em permanecer neste banco de dados, é possível solicitar o cancelamento, gratuitamente e de forma imediata, nos canais de atendimento”, explica Angeline. De acordo com ela, quem faz este cancelamento são os chamados “birôs” participantes, que são as gestoras do próprio banco de dados. São elas a Boa Vista, Quod, Serasa Experian e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) Brasil.
Angeline, que atua na área do Direito do Consumidor, revela que os dados do Cadastro Positivo foram compilados para que as instituições financeiras de concessão de crédito possam consultar o comportamento dos consumidores no pagamento de suas contas , como faturas de água, luz, telefone, assim como os boletos do setor varejista. “Por meio desta avaliação pode se atribuir vantagens aos bons pagadores quando da concessão de crédito”, explica.
A especialista conta que a intenção é melhorar a capacidade de avaliação de crédito, uma vez que antes da Lei do Cadastro Positivo as financeiras só tinham acesso aos dados negativos dos consumidores. “Assim, as instituições prometem baratear o crédito para bons pagadores com a redução do Spread Bancário que é a diferença da taxa de juros cobrados pelos bancos ao realizar um empréstimo, hoje muito superior ao que eles pagam para captar o dinheiro”, conta Angeline. Segundo ela, a margem de diferença entre o empréstimo e o rendimento fica na casa dos 20%. “Esse valor, tecnicamente, calcula e cobre o risco de inadimplência dos tomadores de crédito”, salienta.
Angeline conta que o Procon promete fazer uma grande campanha para que os consumidores retirem suas informações do cadastro, caso não seja verificado que a medida não trouxe benefícios aos cidadãos, mas apenas aos bancos e instituições que terão ainda mais acesso aos nossos dados. “Pois o argumento de redução de custos parece um pouco frágil, uma vez que ignora as muitas variáveis implícitas no sistema de juros praticados no nosso país. ”
Lei da proteção de dados prevê cadastro positivo
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrará em vigor em agosto de 2020, o Cadastro Positivo, de certa forma, parece andar na contramão do resguardo às informações pessoais. “O artigo 7º da LGPD prevê dez bases legais que autorizam o tratamento de dados, dentre elas estão o uso para execução de políticas públicas previstas em leis, e a proteção do crédito, portanto, o cadastro é legalizado”, explica Angeline.
Contudo, segundo a advogada, há um conflito de lógicas entre as legislações, principalmente no que diz respeito ao cadastro positivo ser compulsório. “Antagonicamente, enquanto a LGPD visa assegurar a privacidade e garantir o controle do uso de nossos dados, e possuí como premissa básica o livre consentimento, a Lei do Cadastro Positivo autoriza o tratamento de forma automática, sem a autorização do consumidor”, compara.
Para Angeline, se a iniciativa do Cadastro Positivo cumprir os objetivos pretendidos, servirá como ferramenta para o fornecedor avaliar o consumidor e contribuir para consumo de crédito consciente e responsável.