A virada de ano sempre é acompanhada com muita preocupação pelos contribuintes. Tradicionalmente, é nesse período que surgem alterações tributárias que impactam nos negócios e podem ser decisivas para empresas e consumidores, trazendo insegurança e dificuldades de planejamento, como se já não fosse difícil empreender no Brasil. E nesse ano não foi diferente.
Lá no início do ano de 2021, o STF decidiu que a cobrança do Difal ICMS, nas operações envolvendo mercadoria destinada a consumidor final de outro estado, sem previsão em lei complementar federal, era inconstitucional, mas modulou os efeitos da decisão para permitir que os estados mantivessem a cobrança até o final de 2021, evitando prejuízos ao caixa. Nesse período deveria ser editada a legislação complementar, para a cobrança valer em 2022.
Mas a Lei Complementar 190/22, que regulou a matéria, foi sancionada pela Presidência apenas em 5 de janeiro último, gerando questionamentos quanto a sua validade para 2022. Basicamente, haveria afronta aos Princípios Constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal, os quais estabelecem, respectivamente, que não podem ser cobrados tributos no mesmo ano/exercício e antes do decurso de 90 dias da publicação da lei que os institui ou aumentou.
Em relação a noventena, não obstante possam os Estados alegar que não se trata de tributo novo, mas apenas forma de repartir o ICMS incidente nas operações interestaduais, é muito forte a tendência da não cobrança, inclusive porque houve previsão do prazo na Lei Complementar Federal.
No que diz respeito ao princípio da anterioridade anual, a discussão se mostra mais complexa, sendo evidente que os Estados não pretendem abrir mão facilmente dessa importante e estratégica receita. O fato é que essa matéria vem sendo acompanhada de perto pelos estados desde o julgamento pelo STF. O Estado de São Paulo, por exemplo, aprovou, ainda em 2021, a Lei Estadual nº 17.470, prevendo a cobrança do Difal.
No Rio Grande do Sul, o Executivo apresentou em 22 de dezembro de 2021, o PL 485, mas ele está tramitando na Assembleia Legislativa, com análise prevista para março próximo. A intenção de estados como São Paulo ao aprovar lei estadual ainda em 2021, é clara: convalidar a norma estadual que instituiu o Difal antes da promulgação da Lei Complementar Federal, entendimento já acatado pelo STF em caso análogo.
O cenário é caótico e podem surgir problemas na logística das empresas, especialmente nas fronteiras dos estados, onde pode ser exigido o tributo, gerando atrasos no fornecimento e multas. Portanto, é necessário definir uma estratégia jurídica para se evitar a cobrança em 2022 ou, para os mais conservadores, evitando a cobrança pelo menos nos estados que não publicaram lei estadual no ano de 2021.
Nesse aspecto, cada setor e empresário deve avaliar os riscos, traçando estratégia menos ou mais arrojada, observando a concorrência na variação dos preços, decidindo se repassa o tributo ao consumidor ou não, bem como sobre recolhimento judicial do Difal enquanto discutida sua legalidade.
São questões importantes, pois a discussão deve se arrastar por muitos anos, possivelmente até chegar ao STF. Embora pareça muito clara a inconstitucionalidade, o jogo está apenas começando, de forma que também não pode ser descartada a possibilidade de vitória dos estados. Já pipocam decisões liminares contra e a favor dos contribuintes, especialmente em São Paulo.
O fato é que essa alteração legislativa agitou o mercado, já que a supressão do Difal pode implicar em redução que varia entre 5 e 11% do preço final da mercadoria vendida para consumidor final de outro estado. Em um mercado competitivo isso é muito significativo.
Nas vendas internas, leia-se, no estado onde sediada a empresa, não há essa redução, pagando-se alíquota interna. Claro, pensando aqui no meu Rio Grande do Sul, se abrirmos uma filial em Passo de Torres podemos vender para nosso Estado sem pagar o Difal e voltarmos a ser competitivos. Mais uma decisão para o empresário, envolvendo custos e riscos, evidentemente.
Dizem por aí que o advogado vive do caos. Mas, sinceramente, não creio que isso seja verdade ou que precise ser assim. O empresário, o consumidor e a sociedade como um todo não merece isso. O advogado também não. Mais uma vez vale a expressão que é nome de um livro e caiu no domínio público: “o Brasil não é para principiantes”.
Guilherme Valentini
Advogado especialista em Direito Tributário pela FGV
OAB/RS 54.207
Sócio do escritório Borba, Valentini e Konzen Advogados