O Ordenamento Jurídico de um Estado Democrático de Direito precisa atender as demandas da sociedade e oferecer resposta àquelas que emergem intrínsecas as evoluções sociais.
Símbolo da redemocratização brasileira, a Constituição Federal, conjunto de leis fundamentais que organiza e rege o funcionamento do país, constitui como objetivo fundamental da República o propósito de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ou seja, o Constituinte disse: “aqui, nesse país de sociedade plural, você terá o espaço, o direito fundamental, de ser singular.”
E algumas legislações infraconstitucionais caminharam para dar efetividade aos direitos fundamentais para grupos sociais vulneráveis; criminalizando o racismo e a violência contra a mulher, por exemplo.
Mas passados 30 anos do comando Constitucional, o Código Penal permanece insuficiente para proteger a população LGBT, e a atividade legislativa tampouco demonstra interesse em sanar, com a prioridade necessária, o impeditivo da efetividade das normas constitucionais.
O silêncio de três décadas autorizou o uso do controle da omissão legislativa, e através do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, o Supremo Tribunal Federal prolatou decisão histórica e paradigmática: até que o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram nos crimes previstos na Lei 7.716/2018, conhecida como Lei do Racismo – cuja interpretação estabelece que o conceito de racismo ultrapassa critérios biológicos, e se traduz na negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis.
Consoante bem sintetizou a ministra Cármen Lúcia, na prolação de seu voto: “a identidade de uma pessoa não deve ser usada como pretexto para desigualdade de direitos.” Ainda, definiram os ministros que, a liberdade de expressão não será restringida, contudo não poderá representar discurso de ódio, eis que esse será fator limite entre o exercício de direito e o crime de prática homotransfóbica.
Por óbvio, a previsão legal não resolve, por si só, problemas sociais. Contudo, além do inegável avanço do país na proteção aos Direitos LGBTs, sempre se espera que a imposição de uma previsão legal implique na alteração da cultura de um povo.
Angeline Kremer
Advogada e internacionalista, membro da equipe do BVK Advogados Associados